sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

continuo tropeçando sempre naquele mesmo passo tantas vezes ensaiado....
“Debate-se
e arrebenta, arranha
dói e não cala.
Os olhos
para fora
fecham-se
teimam
e nada os consola.

Estou só
a sensação imensa do só
e nesta terra vasta
os campos são pálidos.

Estar só
é não ter raízes.
Como pode um rizoma ser feliz
se é impossível ser feliz sozinho?
Como pode um rizoma viver feliz sozinho,
Se só a dois é que se morre... ?

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Ontem à noite, assisti até altas horas, num canal que não me lembro qual, a um filme chamado “Vanilla Sky”. É incrível como vamos nos construindo a partir de sugestões externas que respondem a nossas ânsias internas. Processos de identificação que partem de nós, projeções fantasmagóricas de nossos maiores anseios, nossos maiores medos. E escrevi esses versos depois de uma sessão ininterrupta de 20 minutos de choro sem poder me conter. Uma explosão. É incrível a sensação que o choro pode provocar de que o tempo rompeu-se mais uma vez, de que o universo caminha, as coisas mudando, novas águas, novas chuvas. Aprendi mais uma vez o que havia esquecido: a grandeza do detalhe, o peso do pequeno, a infinitude de um gesto no rosto, um abraço (dado ou negado), um beijo.

Todo distanciamento é bem vindo. É uma maneira de ver melhor o que está perto. É uma maneira de chegar mais perto.

Entendi o mais importante: que o universo caminha, sempre. Entendi que sou (que somos) sempre vulneráveis e que o amor será sempre um desconhecido. Entendi, como o filme falou, que os corpos fazem promessas, mesmo que não ditas, promessas silenciosas. E que o romantismo original não era piegas, mas um sonho tornado real. Entendi que o segundo é precioso, assim como a lágrima. Aprendi, por fim, que chorar é romper a casca e renascer; que o choro é a marca que o tempo tem para nos dizer de alguma mudança; e que a lágrima é sempre o mais secreto brinquedo de uma criança.

a simone rodrigues passos, os meus dias...
de perto esse mundo é muito longe

livia nogueira
Chorar
é romper a casca
e nascer.

O choro
é a marca do tempo.
A lágrima
é o segundo doendo
Desenraizar-se é o movimento mais doloroso de uma árvore. Não porque sua raízes sejam cortadas. Não porque ela perca seu apoio, seu chão, sua identidade territorial. Porque ela tem que retraí-las para dentro de si, como tentáculos. Recolhê-las depois de tanto espriguiçar-se. É o movimento mais doloroso de uma árvore: fixar-se para depois se ir como um rizoma, uma semente. Diminuída, como se não tivesse nascido, como se não tivesse existido. Involuindo. Vai ver, as árvores mais felizes são aquelas que têm raízes aéreas.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

que língua o quê?
minha pátria é meu corpo...
...e o dela junto ao meu.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

lançamento MassaNova LIteratura




Dia 18 de Outubro
Anfiteatro do Dragão do MAr
33 poetas cearenses espalhados pelo país se encontram aqui
eu sou um deles.

VENHAM!

sábado, 29 de setembro de 2007

maluco é quem não tem licença para ser maluco

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

aquele que vê na literatiura
apenas literatura
não sabe ver, não sabe ler
não entendeu nada!

sábado, 15 de setembro de 2007

cometemos sempre os mesmos erros
porque insistimos em ser sempre nós mesmos

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Reorganiza minha cabeça etérea e amena às coisas da vida.
Apenas, até agora,
apenas a teoria.
Mas aqui,
aqui a vida me exigia mais.
Punha o dedo na minha cara e dizia:
Faça!
Faça logo de uma vez o que veio fazer aqui!
Retome seu caminho e caminhe!

O único livre-arbítrio possível
é a honestidade.

sábado, 8 de setembro de 2007

a porta

Certa feita de meu tio me impressionou. Ele mantinha uma porta sempre fechada que dava para um não sei quê de possibilidades. Eu era seu filho adotivo e todos os meus primos queimávamos de tentação pelo olhar que aquela porta encerrava para além. Depois, ninguém sabia.

Todos os medos. Todos os segredos pra tentar violá-la circundavam os portais da porta, onde a gente se recostava e dormia de tanto sonhar. Se penetrássemos com um olhar, que fosse, uma fisgadela de luz e já todo desejo e todo enfim estaria sarado, que toda pergunta é uma ferida. Mas não havia nada. Nenhuma fresta da porta entreaberta, nenhuma falha ou fechadura. Fenda alguma se haveria de abater sobre a porta. Para nós ela era uma presença, um espectro que se mantinha calado, feito fantasma de um sábio milenar que preferia recuar-se sobre si, estático, fixo e ereto. Um ser sagrado que optava por se manter mudo, intacto.

Velhos olhares cansados cochilavam nos umbrais nos ensinando a penetrar lentamente todo aquele vasto mar de madeira selada. Imaginávamos. Era tudo o que podíamos fazer. Imaginar, ver além do que se vê.

Meu tio fazia questão de mencionar a porta em suas conversas de domingo, como se para nos fazer esquecer de que ela estava lá. Quanto mais falássemos na porta, menos ela estaria lá. Meu tio dizia que só existe Deus porque não acreditamos em Deus. Falava nela como se pudéssemos esquecê-la. A porta. Um limite, uma fronteira que só seria aberta quando fosse a hora, como o fruto esperando para ser devorado. Cada um de nós ao seu tempo passaria pela porta. Um por um. À medida que a porta fosse se abrindo. Até que pudesse figurar escancarada pela casa. Rasgada, arreganhada pelo tempo, nosso tempo. Boca aberta de gente que não dorme mais, está morta! Por enquanto, ela se mantinha selada.

Nenhum de nós havia passado. Já tínhamos duzentos anos e nenhuma fresta se abrira... meu tio era o único que fazia com que a claridade invadisse a região proibida, a região além-porta. Trancafiava-se lá antes das conversas de domingo e passava horas sem fazer barulho. Dali, a respiração incessante de quem descansava, como um universo a se expandir que se contraía. Saía de lá um perfume suave e depois ele nos ensinava que Deus era feito de cheiros.

Não havia nenhuma história que ela nos contasse, mas nossa imaginação criava de si histórias tantas que já não sabíamos o que era a porta e o que imaginávamos. Matéria abstrata, pensamento concreto: a porta, presente nos nossos devaneios, no nosso canto. Nas nossas brincadeiras de boneco havia sempre um castelo com uma porta sempre cerrada. Na nossa ciranda, no quintal, sob o pé-de-manga-rosa a canção e uma donzela do outro lado da porta, chorando e nós chorávamos a porta que não se abria. Vivíamos ali, sob a voz sempre ali de meu tio Adamastor.

Foi que uma noite eu acordara e caminhava até a cozinha a passos lentos na lonjura que se há entre as distâncias quando se ainda é pequeno, quando ainda é escuro, gostando de ouvir e de ver os meus primos e meu tio dormirem como se agonizassem, como se o ronco fosse a última respiração se debilitando para a morte. Quando todos dormem, a casa é um cemitério. Os mortos roncam e os armários rangem. Todos dormiam, só as árvores se mantinham despertas. O medo é quando o real é mais real que o real.

Com sono e titubeando, caminho e a porta, com todos os seus segredos anoitecidos; a porta povoada de pássaros noturnos que dormiam nas trepadeiras que cerravam seus ferrolhos, como um monstro surgido da noite, no nada, a porta estava ali.

Recostada, balançava como uma criança no jardim da frente e seu balançador de pneu. A porta mastigava e me chamou.

Devagarzinho. Lentamente. Da garganta aberta, a porta rangia o grito agudíssimo que só eu, ali, ouvia. e eu seguia. Sub-repticiamente eu seguia. Estava cada vez mais dentro da verdade, penetrando como um cão, farejando, ânsio, soterrado de sonhos.

Quando não se quer mais existir, antes de sair, deve-se apagar a luz. No escuro, a realidade inexiste. O ar tingido é um livre-arbítrio. Céu sem estrelas. No escuro, com os olhos fechados, a responsabilidade concentra-se em ouvir.

Para ouvir bem, dentro da verdade, é preciso engolir a saliva. Dentro da verdade, o ar pressiona os ouvidos e o vento tampa nossos tímpanos. É preciso engolir a saliva. Bem dentro da verdade, além da porta, o que meu tio escondia: frágil como a chama de uma lamparina, a sala... ... completamente... vazia...

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Diálogos de João II

−O tubarão come peixe, mãe?
− Come.
− Ele assa o peixe pra comer?
− Não. Ele come o peixe cru.
− Igual o Japonês, né, mãe? Igual o japonês.

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Tirania
é peidar no ar-condicionado do carro.

Despotismo
é peidar no ar-condicionado do carro
e perguntar "Quem peidou?!"

Revolucionário
é aquele que peida no ar-condicionado
e trava as portas do carro.

domingo, 5 de agosto de 2007

extraído do "Livro Estranho"

1

Esses, por certo, hão de saber quem são,
de onde vieram,
aonde vão.
Pois parecem felizes. E eu, quem sou?
De onde vim eu?
Aonde vou?

Às vezes me pergunto, a mim mesmo e, cansado
do silêncio da espera indefinida,
olho a sombra que vai, tal qual a minha vida,
negra e longa arrastada à margem dos caminhos,
sem saber de onde vem -por sobre abrolhos,
sem saber aonde vai -por sobre espinhos...
E a sombra esboça um gesto amargurado
de quem esmaga lágrima nos olhos...

Oh! Os que vão a rir hão de saber quem são
mas, ai! Eu que soluço arrastando-me a esmo,
sei apenas que sou um estranho a mim mesmo.


2

medir um verso é retocar uma flor


3

no meu caminho
há tanto espinho,
há tanto espinho
no meu caminho,
que eu erraria
-por certo creia-
que eu erraria
minhas passadas
pisando a areia
de outras estradas


4


Coração, nós não podemos
chegar juntos ao destino,
eu já velho, tropeçando,
tu correndo, inda menino...


5


ó! Meu navio
de velas brancas,
foge do cais...
O mar é largo
como teu sonho
teu sonho é lindo,
não voltes mais!...


6

Morre a tarde de inverno alva e fria. Do Oriente
surgem nuvens de chumbo. A luz do sol coada
através do mormaço enerva a alma da gente...
sopra o vento em surdina e cala a passarada.

Agora relampeja. Há névoa na esplanada.
Uma tristeza infinda impregna o ambiente.
Rouco rola o trovão na planície encharcada
e a chuva vem cantando uma ária plangente.

Cada gota a bater sonora no telhado
lembra um dedo indeciso apalpando o teclado
de minh'alma de artista, em ébano e marfim...

E eu penso no que sou, no que quis ser na vida
e sinto um tédio profundo, uma ânsia incontida
de voar, de fugir para longe de mim.


7

Quando passas branca e leve,
leve e branca a me fitar,
passas e eu fico pensando
na beleza desses olhos,
na tristeza desse olhar...

Olhos negros como a noite...
Olhos tristes como o mar.



Oscar de Oliveira MAgalhães
Ubajara-CE, Serra de Ibiapaba, 1901
what i am to you
its not me

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Diálogos de João

1.

− Pai, onde é a casa do pincel?
− É ali na outra rua.
− E onde é a minha casa?
− É ali, na outra rua.
− E onde é a sua casa?
− É lá em Piripiri.
− E onde é Pi-i-Pi-i?
− É lá no Piauí.
− E onde é o Piauí?
− É lá no Nordeste.
− E onde é o Nodeste?
− É lá no Brasil.
− E onde é o Brasil?
− É na América Latina.
− Pai, e onde é a lata do gato?

E ele repete esse diálogo até hoje. Talvez se lembre dele para sempre.




2.

Noam Chomsky tinha razão.

− Tio Léo, quem é o motoqueiro?
− É o homem que dirige a moto.
− E quem dirige o carro, tio Léo?
− É o motorista. O motorista dirige o carro e o ônibus. Quem dirige o caminhão é o caminhoneiro.
− É o caminhoneiro, tio Léo?
− É.
− E quem dirige a moto, tio Léo?
− Quem dirige a moto é o motoqueiro.
− E quem dirige o trem?

E repete: e quem dirige o trem, tio Léo? É o trenzeiro?
E continua: e quem dirige o... o velocípede?

− Sabe quem é, tio Léo? Sabe quem dirige o velocípede, tio Léo?
− Quem é?
− É o velocipedezeiro.

terça-feira, 31 de julho de 2007

a mulher no espelho

Hoje que seja esta ou aquela,
pouco me importa.
Quero apenas parecer bela,
pois, seja qual for, estou morta.

Já fui loura, já fui morena,
já fui Margarida e Beatriz.
Já fui Maria e Madalena.
Só não pude ser como quis.

Que mal faz, esta cor fingida
do meu cabelo, e do meu rosto,
se tudo é tinta: o mundo, a vida,
o contentamento, o desgosto?

Por fora, serei como queira
a moda, que me vai matando.
Que me levem pele e caveira
ao nada, não me importa quando.

Mas quem viu, tão dilacerados,
olhos, braços e sonhos seus
e morreu pelos seus pecados,
falará com Deus.

Falará, coberta de luzes,
do alto penteado ao rubro artelho.
Porque uns expiram sobre cruzes,
outros, buscando-se nos espelhos.

Cecília Meireles

um poema para Sartre

O que pode um poema?

O que pode um poema
diante da morte?
O que pode um poema
diante do medo? Da fome?
O que pode um poema?

O que pode um poema
diante da dor
de ver seu grande amor
chorando?

O que pode um poema
diante da flor
que se vê, com o tempo,
murchando?

Pra mudar o que foi
um poema pode nada.
Um poema pode muito
para mudar o que é.

domingo, 8 de julho de 2007

as palavras esquecidas

As palavras saem
bandeiras esfarrapadas
e alcançam o mar
com a graça de um mergulhão e um peixe na boca.
As palavras devoram-se.

Daqui de cima
é mar a dar na vista
- Não senhor! Nenhuma caravela...
- Sigamos...
haveremos de encontrar

Continuemos...
nada mais,
que tudo acontece sem o nosso consentimento.

Essa força que vem, que está, aparece e vai
nos arrasta pra longe, pra fora, pra além.
- Vamos!
Ruge a força a repetir
- Vamos!
E temos que ir.

Lentos como passos de barcos a remo...

Um cardume de mãos invisíveis
se move dia e noite
semeando suas sementes.
Canta Jorge, o bucaneiro

- Corsário ao mar! Corsário ao mar!
Os marinheiros se assustam com o alarde.
“Precipitados se precipitam no precipício do princípio dos tempos”,
diz Uirá, o capitão.
Que os Santos Reis o guiem!

No início eram cachoeiras...
Cada palavra era uma ilha pra naufragar.

O mar se estende sobre os olhos como uma cama vazia, macia e tola
- Um novo amor comeu meu vazio
e um outro vazio comeu meu novo amor.
Chora o marinheiro.

E a nau segue.
Sem remo, sem vela, sem rumo
pelo oceano fecundo navegar.

Vai cega, vai louca
pelo mar sem mar a boiar.
Vai sem leme.

Estrelas no céu já não existem
já não existem mapas a guiar
bússolas e esquadros se perderam.

O bucaneiro e os marinheiros
já abandonaram a nau
certos de que o naufrágio virá.
Mas ele não vem, nunca.
Porque a morte é a eterna espera de si mesmo.

Vai-se a nau
ao sabor das correntezas e dos ventos.

Vai cega, sem intento,
a ferir mortos, vivos e doentes.

Vai surda,
levando nós,
os tristes filhos dos contentes.

terça-feira, 26 de junho de 2007

a pedra e o pó

é vazio
e não fala
é branco, nulo
e não é este poema.

porque o que é
não pode existir
aqui

as árvores são destruídas
porque nada que é fixo pode existir

é vazio
é nada

sexta-feira, 22 de junho de 2007

a um amigo que hoje vai se casar

“Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?”
(F. Pessoa)

Não há mais segredo algum: Peter Parker não é mais o homem-aranha. Cansou-se de estripulias, de vigílias trôpegas, de cansaços inúteis na vida. Mardônio aprendeu a delicadeza das montanhas, seres eternos e distantes, azuis. E o fez na Serra de Ibiapaba, entre chuvas e cavernas, lugar sagrado, onde o sol é uma bola branca vestida de nuvens. O pato é um iluminado, sim, como ele mesmo lembra: porque nada, anda e voa. Não sei se voa não. Da última vez que Peter Parker tentou voar acabou quebrando a perna numa outra serra.

Meu amigo casa-se hoje. Hoje, terei um amigo casado na lei. Hoje, veria um amigo limpo e feliz, vestido classicamente, dentro de um terno, uma gravata ou mesmo uma simples calça de brim, se pudesse visitá-lo. Meu amigo aprendendo a delicadeza dos dias. Quotidiano? Impossível. Mardônio quotidiano? Aqui ó!!! Tributável por força da cidade porque isso todo mundo é. Mas fútil? Não, fútil não senhor.

Lembro do Mardônio, Ylo, correndo ao redor do quarteirão, criando performances espontâneas, instantâneas e brutais até. Esse negócio de Cinema Direto veio mesmo a calhar. Nada de falseteamento. A ordem agora, é o agora, o aqui. Lembro de como Mardônio era pedregoso, ainda o é em algumas ocasiões mas a gente releva porque a gente sabe: é o Mardônio, tinha que ser o Mardônio, só podia ser o Mardônio. Se não for o Mardônio, tenha certeza, é o Emílio.

Mas ele foi lapidado pelas águas, Uirá. Foi trabalhado pelo vento. Foi modificado pelo tempo e pela idade, que nosso amigo não mais um jovenzinho não. Hehe! Dizem que ele não consegue nem mais correr cem metros, que dirá dar a volta no quarteirão. Na serra, um aluno que encontrei por acaso me perguntou "quem é esse senhor?". hehe! Mardônio França, o homem que abre janelas, em muitos sentidos. Mardônio França, o homem que se casa hoje sob o julgo da lei e abre janelas.

Madelaine é seu pequeno grande amor. Garotinha linda e esperta, que deve ter lhe ensinado a delicadeza do silêncio. A serra lhes fez bem, Ayla, muito bem. Foi num tempo de chuva, com duas ou três barracas e dois colchões de ar. O esforço de encher os colchões ensina a dormir. Madelaine e seus olhos. Madelaine, o amor de meu amigo.

Mardônio França, um corsário casado, o que você me diz Dídimo? Era impossível. E as apostas, meu caro, deverão ser muitas e altas, como foi por aqui. Mas o tempo, querido, o tempo é o senhor dos anéis. Saturno. É o ano do Saturno. O tempo da colheita. E você colhe flores se planta delicadezas. Colhe borboletas e pássaros se planta jardins.

Meu jardineiro fiel, meu companheiro feliz. Que o caminho dos jardins lhes leve até o quintal das árvores, onde habita, invisível, o silêncio. Luz e paz, sorte e força, meu amigo, meu irmão.

Como fiquei de fora da lista da família, hoje, eu serei, como quer Marcelo Bittencourt, o poeta-padre. Já que o Pajé mora na Bahia. Simone será a coroinha. Que os deuses lhes abençoem! Que os espíritos antigos lhes afaguem o juízo!

Amar, aprender e guiar
sempre.

terça-feira, 19 de junho de 2007

aprendi
que as fronteiras são dentro.

segunda-feira, 18 de junho de 2007

my love is...

when you are alone
I play a single song
to you

domingo, 17 de junho de 2007

Encontro com a Floresta

presente do poeta Aluízio de Azevedo de Cuiabá quando da minha visita por lá este ano

Quem és tu?
Que sai do oco do mundo
Ilumina o meu viver
E se esvai em segundo?

Quem pensa que és?
Aquele que usa os pés?
E viaja sem destino,
Vivendo o sonho de menino.

Poeta da floresta?
Lenhador de palavras?
Coletor de versos?
E pescador de sonhos?

Tu és um ser mitológico!
Um ser encantado”
Saci pererê,
E alecrim dourado.

Tu és meu rumo.
Meu porto que acredito.
Inspiração de poesia,
E fonte de alegria

Tu é meu muso-poeta
Minha nova sintonia
Para nas águas do mar
Eu amar, viver e guiar

Sereia sonora
Encanta em outrora
Traz-me as horas
De outras auroras

Ser que me encanta
Que toca o meu peito
Oferece-me um jardim!
E foges de mim...

Não vá sem rumo
Obedeça meu comando
Venha sem apuro
E aceite do cigano o ouro

Eu espero o futuro
Que vejo fluir o fruto
Tu certamente estás seguro
E livre de todo escuro

30 de maio

2mil e 7
Acima, o sol
invisível, impossível de se ver
o sol apenas táctil.

O palácio das árvores

para simone rô passos

Grandes senhoras cegas, como duas imensas árvores.

São duas senhoras que se olham, se acariciam, se tocam, se abraçam, se entrelaçam, se apertam, puxando, arrastando uma a outra. As grandes damas se rasgam, se batem, se agridem, gritam, calam-se... mas não se misturam, não se aglutinam, não se amam, não se vêem dentro da outra, não se sonham, não se sabem, não se comem, não trepam, não gozam.

Não vivem juntas, estas senhoras não convivem. Se encontram casualmente, de vez em quando, vez por outra, por obra de um rapaz jovial e travesso, o acaso.

São duas damas, duas respectivas senhoras de si e dos outros que vivem sob suas saias, seus vestidos, seios e sexo, se alimentando, lhes sugando todo o leite, o mel, o vinho, cachaça, a cana, o suco, a seiva, o sangue, a vida, a cor, como parasitas saciando-se. Sangue-sugas, víboras entrelaçadas nos braços e nas pernas das mais antigas senhoras do universo: a senhora destino; a senhora justiça.

sexta-feira, 15 de junho de 2007

uma coisa que eu aprendi há muito tempo
"ser criança
é se esconder
e não ter medo de ser achado"

quarta-feira, 13 de junho de 2007

minha língua escreve
belos poemas de amor sobre tua pele deserta.
Tua pele, o pergaminho mais antigo.
te reencontro aqui,
em teu sono secular,
em minha cama macia
nua,
vestida apenas
com minha poesia.
vestígios de ti por toda minha carne
esquecer, pensamento que padece.
instalei oásis de ti
sobre minha pele deserta
povoar de dedos tua pele
essa terra infestada de cheiros
o poema táctil da tua pele

terça-feira, 12 de junho de 2007

antes da viagem...

fortaleza ainda é uma cidade

Não somos um porto, tampouco uma ponte, estamos perto de antenas - fico sempre pensando sobre essa cidade, fortaleza dos poetas, ou melhor, plantações de poetas - do hermetismo de eduardo jorge à loucura de mário gomes, de marcelo bittencourt à ylo barroso - ao alcides pinto e seus punhais - ivaldo e uirá dos reis - nuno gonçalves - e tantos tantos outros - todos encurrulados nessa cidade sem fronteiras.


temos os alpes, o dragão, o noise, o chorinho, jardim iracema, ideal, benfica, praia iracema. titã. internete e o cerco dela, o trema, as mesas de bares.

essa reflexão tem um traço geográfico - fortaleza é uma cidade - ilha. todas as cidades estão a mais de 500 km - é um cerco solitário.


é muito fácil entender nosso desentendimento - basta recorrer a história passada : nossos índios não se entendiam nunca, eram bravos e gostavam de mocororó e pajelança e guerra e cangaço - e nada de entendimento com eles mesmos, com os portugueses, franceses, holandeses ...

nada ! do cunhadismo do darcy só pegamos a primazia da chegada, depois, mau agouro e brutalidade.

basta ver na comida e no escárnio.

um gringo chega e quando passa a ser tratado de filho da terra, é fio da égua para todos os lados. te alue amarelo.

em raros momentos, nos reunimos, mas esse momento sempre foi de força e de forca, foi nos tempos "do nascimento da nossa academia de letras e ciências", na padaria espiritual, no movimento modernista cearense, na massafeira, na parafernália e penso que agora. muito populismo - é preciso.

amanhã, teremos o lançamento do livro de léo mackellene de fortaleza e do mundo.

amanhã - ele vai pegar cada pedacinho de fortaleza e colocar debaixo do braço e levar mundo a fora - como tantos outros fizeram ...porque santo de casa não faz milagre, só quando chega de são paulo, como o santo glorioso cidadão instigado.

vai levar com ele a corsário, os poemas, os videos que mostrará na viagens para seus amigos da estrada. quem sabe não volte vitorioso do circuito como os nossos caixeiros-viajantes dos tempos do nomadismo e dos árabes.

é isso, amanhã terá tudo para a casa do grande henrique dídimo reviver esses momentos que a história pára com os encontros da pajelança:

uirá dos reis, eduardo jorge, julio lyra, mardônio frança, ayla andrade, ylo barroso, pedro salgueiro, carlos emílio correa lima, joyce, wilton matos, italo rodrigues, muitos muitos a lista vai p'ra lá de setenta.

henrique dídimo irá fazer um documentário daqueles.


m. frança
www.corsario.art.br

segunda-feira, 11 de junho de 2007

Fortaleza-Brasília

Escolhi o primeiro trecho por via térrea mais por questões financeiras que por questões político-filosóficas. Evidentemente, não poderemos fugir disso, mas...

Às 9:33 galgamos a última construção. Aqui, a cidade termina. Ali, o último muro.

Egberto e Francisco são meus vizinhos de viagem. Egberto, de Ibiapina, a Serra que separa o Ceará do Piauí, quando soube que sou escritor, esperou um tempo e sentou-se atrás do meu banco pra cantar uma canção a la Amado Batista, de quem se diz fã número um.

Ele é casado (sem aliança) pela segunda vez. Sua primeira mulher hoje vive em São Paulo com um filho seu e casada com um outro homem, me diz isso de olhos baixos e voz furtiva. Está indo para Brasília vender uma casa por 17 mil. “Porque se não a negada invade!” diz ele. Deixou sua mulher, Elane, em Fortaleza, com seu filho de um ano. Discutiram e no dia da discussão, dia 13 de maio, ela escreveu uma carta pra ele. Me mostrou a carta com água nos olhos. Letra com alguns erros de ortografia e veleidades literárias. “Foi legal o tempo que te conheci. O lugar inesquecível. O tempo deixou uma marca: nosso filho” essas coisas. Ele sente saudade. Passará 7 meses por lá e toca violão, compõe canções e gosta de Zezé Dicamargo (sua voz é até um pouco parecida! Arriégua! Nã!).

Francisco é um tipo de olhar ingênuo mas com certa ânsia de aprender e ensinar coisas. É um sujeito ligeiramente afeminado, de riso fácil, ajeita as mangas curtas da babylook não se sabe se por cacoete ou se por frio. Cabeleireiro que não concluiu o ensino fundamental, “parei na sexta série, eu parei!”. Gosta de cuidar do corpo e entende um tanto sobre alimentação. 34 anos e relutente quando sugiro que prepare cursos sobre culinária e saúde. Diz que o SEBRAE e o SENAC estão preocupados com a titulação e não com o conhecimento prático. Se diz sem cabeça para voltar a estudar e cursar uma faculdade. Nesse momento, duas professoras certíssimas de si, voltando de um congresso em Fortaleza e que descerão em Petrolina-PE, diz que ele está com baixa auto-estima. Me rio um pouco e retomo a conversa. O ônibus chega em Juazeiro do Norte-CE.
Quando voltamos pro ônibus, ele me dá uma edição sem data, capa-dura de um livro chamado “As hortaliças na medicina doméstica” dizendo que “tem também ‘as frutas na medicina doméstica’”. Mas que ele não tem.

Quando da leitura d’ as hortaliças na medicina doméstica

Querido Carlos Emílio,
tenho pensado desde que soube da descoberta de um planeta semelhante ao nosso em algo que, mesmo ficcional, me lembra você.

Tive logo a imagem de que nascia ali, com aquela notícia, a esperança do recomeço, a fé de que aquele planeta recém-descoberto será o nosso refúgio espécie-espacial. E pensei que somos, de fato, um vírus. Um vírus que a tudo corrói e que vai devorar esse planeta, torná-lo imprestável e depois migrará para outro. Isso me faz pensar na tese de que somos extra-terrenos, de que viemos de outro planeta.

Disseram que o novo planeta é muito maior que esse em que vivemos e que, portanto, a gravidade é maior. Isso significaria que se nos mudássemos para lá, seríamos gigantes chegados frente às criaturas que por ventura existissem por lá.

E se de fato tivermos vindo de outro planeta? E se de fato somos uma espécie de ser criado para destruir a criação? Que habita de tempos em tempos planetas que serão devorados, no tempo cósmico, em um dia? E se o planeta de onde viemos for menor do que esse onde habitamos? Sendo assim, ao chegarmos aqui, não teríamos sido também gigantes? E os relatos de toda a literatura obre estes gigantescos seres que viviam isolados nas ilhas, nas florestas, nos campos como Gargântua? E se os ossos dos dinossauros forem, em verdade, ossos humanos que, devido ao peso de seus corpos gigantes, andavam curvados?

No livro que Francisco me emprestou pra ler, o capítulo devotado aos malefícios da carne relata uma experiência alimentícia feita com coelhos a base de carne. O capítulo menciona que três gramas de carne em um animal não habituado ao regime cárneo seria responsável pelo desencadeamento de enterite e diarréia que levariam o coelho a óbito em seis ou sete semanas. Doses mínimas, no entanto, em centigramas até, poderiam iniciar um processo semelhante ao de intoxicação pela carne em humanos e, habituado, apresentaria uma estrutura óssea e corporal enfim, massa muscular, muito alterada de seu original, reduzida inclusive.
Levando isso para o fato de termos chegado aqui gigantescos, será que nosso hábito de comer carne teria nos tornado menores do que éramos?

Sobre generosidade. Uma carta para o poeta Alan Mendonça.

Preciso de pouco, Alan.

Preciso de algumas roupas, paliativos médicos, papel, caneta, lápis e um maldito marca-texto que não me deixa em paz. Preciso de pouco e é por isso que sobra espaço na mala. Houve um tempo em que eu precisava de menos ainda.

Meu livro, Alan, fala de uma estrada, uma longa jornada até a fonte. De um estrada repleta de árvores que caminham juntas de nós, nos ensinando, tentando nos ensinar alguma coisa. A estrada entre árvores e túmulos.

Cada poeta que levo é uma arma e um escudo. Cada poema compõe uma folha da árvore e seu sumo. E cada trecho, cada citação é uma voz que se alevanta no cortejo. Caminhamos juntos. Vamos de mãos dadas como diria Drummond.

Levo todos comigo porque ali não sou eu, você, Mardônio, Bittencourt, Virgílio, Ylo, Carlos Emílio, Ayla, Uirá, Luciano... Ali, somos um só, todos um só. A mesma espécie poética. Refazendo-nos e refolhando-se a cada dia para recompor tudo, para recompor o mundo.

Somos poetas diferentes, é verdade! Porque há árvores diferentes. Mas somos da mesma espécie de seres, da mesma espécie arbórea. A mesma poesia feita de retalhos de voz de todas as cores a caminhar como fantasmas pelos livros inteiros.

Uma vez vi uma árvore sozinha. E tive pena de sua ingenuidade. E me aproximei para abraçá-la, enternecido. E à medida que me aproximava, vi que pousados nos seus galhos havia centenas de seres alados, dormindo sob as folhas. E vi que aos seus pés, formigas vinham lhes fazer morada; que dentro do seu tronco repousava uma grande ave noturna; vi que de dentro de seus frutos emanava uma luz branca onde havia rabiscada toda a história, toda a memória das antiguidades. “As árvores são fáceis de achar” canta Bittencourt querendo caçoar de mim, mas eu ali compreendi que não há ser em maior movimento. Porque seu movimento é para cima, para o alto; e para baixo, rumo ao profundo segredo do mundo; e para sempre. Infinitamente grande. Infinitamente sem fim.
Deleuze estava errado. Livre não é o rizoma. O rizoma é uma árvore guardada. O sonho do rizoma é ser árvore. E ali, comigo, cada poeta é uma árvore, cada poema é um fruto, cada palavra uma semente para repovoar as consciências.

Pela janela do ônibus, a última cidade da Bahia

Aqui o cenário é marrom e as folhas outrora verdes à beira da estrada entupiram seus poros de barro, um pó-de-barro que mesmo no vidro lacrado quer me fazer espirrar.

Minhas expectativas pra Brasília? Não sei. Depois do lançamento na casa do Henrique, espero pouco. Uma das coisas que aprendi por lá foi que a expectativa cria mundos inexistentes só para ter o doce prazer de nos ver destruídos.

O cenário é marrom há horas. A vegetação cedeu lugar a um descampado dourado pelo sol dessas horas. No descampado, bois-de-lombo todos brancos pastam. Pertencem à fazenda Xique-Xique que avistamos em minutos. De um lado e do outro da estrada, nada. Terreno queimado. Estamos próximos ao centro-oeste do país. É descampado sem fim, a dar na vista. Povoados por gado de toda espécie. Não há nada de novo sob o sol. Uma infinidade de terra para bois e nenhum sinal de casebres ou barracas. Quantos foram expulsos dali? Quantos morreram? E continuam avançando. Há tratores quando o pasto termina, uma hora e meia depois de onde começa. E o fogo também desmata, continua. O fogo é o primeiro sinal da chegada da civilização.

Após um pequeno intervalo de mim, onde, parece, a vegetação luta para se recuperar, um novo imenso descampado se abre para abraçar os olhos. São plantações de soja. Hectares infindos com um maquinário de irrigação que vai ao horizonte. Água. O chão riscado por dentes gigantescos de quem arranca raízes.

A entrada da cidade revela o grau de sofisticação da cidade que desponta. Casarões eqüidistantes sobre o cenário desnudo aparenta a cidade ao sul da América do Norte. D20s, Hiluxes, S10s e por aí vai são os carros que avisto à entrada da cidade colorida e iluminada. Um centro urbano em altíssimo grau de elevação tecnológica no meio do cerrado. A estrada divide a população dona da cidade e os pobres que trabalham para ela.

O nome da cidade? Luís Eduardo Magalhães.

Primeiras impressões sobre Brasília.

Cheguei com alguma coisa que não conseguia explicar. Um medo, uma ânsia, um pânico, sei lá. Se Uirá acha que Fortaleza é uma cidade facistinha, precisa conhecer essa cidade.

A vastidão só dilui a alma e aqui é o reino do vasto. Imensas áreas de tudo. Aqui, tudo é imenso: o verde, os parques, os clubes, os prédios, ainda que baixos, imponentes, quadradões, gigantescos blocos de vidro e concerto. Agora, só agora, mais de dez anos depois de ter escrito é que eu vejo que são reais os “gigantes de vidro e concreto compõem esse lugar”. Aqui, tudo é realíssimamente real. Realissíssimo. Uma terra de superlativos: Ilustríssimo, Excelentíssimo... e até as árvores parecem falsas. O avesso de uma árvore: árvores de galhos rápidos como relâmpagos. Respiram sim, mas posso sentir sua saudade, posso experimentar sua tensão. Elas foram plantadas aqui. Trazidas de outros lugares aos gritos de “fiquem aqui! Eu sou o paisagista! Fiquem aqui! Cumpram o seu papel. Respirem! Vamos Respirem!”... uma cidade militaresca, militarizada. Aqui, até as árvores são escravas.

Léo Simão, um arquiteto que acabei de conhecer disse-me que venderam o sonho “Cidade Planejada”. Mas aqui não há sonho. Vi hoje, no Beirute, bar tradicionalíssimo “40 anos” ta lá, estampando na parede. O dono é um ex-garçon. A cidade tem quase isso. Pouco mais. Mas eu vi isso sim no Beirute. Pintores, desenhistas, músicos, poetas, artesãos, atores não dentro do bar, à margem dele. Ora erguendo telas a fim de mostrá-las. Ora recitando poemas ao ar livre a fim de vender um panfleto ao menos, um cartão da “Terapia do riso” (Até aqui!). Ora deixando desenhos em cada mesa para recolher depois. Encartes que não serão abertos. Sorte do Luigi, o cartunista, se não molharem com a bohemia de r$ 4,20. Um cara chamado “para os amigos Pepe. Para os conhecidos, Lopes”, um senhor espanhol com ares de trêbado fez minha caricatura e eu nunca percebi que tinha um queixo tão grande.

Funcionalismo público, estudantes londrinos de pirulito na mão, bebendo às pampas e os artistas rondando as mesas, mendigando atenção, disputando atenção com kibes, cervejas, vinhos baratos e veleidades. E ainda tendo que lidar com o olhar desdenhoso das dondocas filhas de donos dos BigBoxes de Brasília. Carlos Emílio, Fortaleza é o paraíso, nego véi.

Brasília, como diria Victor Ramil, “cidade rigidamente planejada e construída”. Aqui, tudo é imenso e opressor. Os prédios são suspensos. As pessoas são suspensas. Se eu dizia que em Fortaleza as pessoas moravam em gavetas, precisava conhecer essa cidade. Não há nada mais concreto que Brasília. Nada mais real do que pessoas morando em cubos de vidro e concreto.

Eu sou pequeno aqui. Pequenininho. Pequeniníssimo. E sem o meu amor por perto eu sou menor ainda.

Brasília, uma cidade de muitas voltas. Circulada por portões invisíveis. É impossível. Brasília é uma cidade de segurança máxima. Tire “segurança” porque aqui bandido é seguro. Fica o “máxima”, opressor, imponente. O velho Niemeyer imaginou uma monstruosa área de convivência, com clubes de vizinhança, inclusive. E deixou todos os prédios abertos embaixo, com livre passagem. Mas o medo dos prédios criou nos brasilienses paredes invisíveis, supra-sensíveis, dentro de cada um como num filme de Lars Von Trier.

O que esperar de uma cidade que cresceu daqueles que queriam, mais do que reconstruir uma vida nova, construir a sua vida nova? Cada um, cada um. O sonho não compartilhado de Niemeyer. Os escravos que se tornaram nobres. E Lula morando no Palácio da Alvorada é o maior ícone disso. Lula na Alvorada, putz, a estratégia de remediar a convulsão social: um ex-pobre no poder, um operário que hoje submete legitimando a submissão; um alfabetizado tardiamente no poder. E a ala burra da burguesia ainda quer tirá-lo de lá a fina força. Deixem ele lá! Deixem-no! Orgulho ferido da dondoquice brasileira e burra!

Que esperar de uma cidade que se divide cartesianamente em norte, sul, leste e oeste? Síndrome da paranóia urbana. Aqui, seu terreno não é apenas imenso, é fértil. Uma cidade planejada para se ter o controle. Vigiar e punir? Ninguém nem se vê, nessa cidade, quanto mais vigiar alguém. Vigiar exige tempo, e numa cidade de funcionários públicos, com seus carrinhos e suas carreiras estabelecidas, concursados, podendo chegar tarde e sair cedo do trabalho, quem vai se preocupar em vigiar o outro? Aqui?!!! Só se lhe convir. Aí sim, se vigia. Se vigia e se pune não porque é questão de justiça. Mas para tomar o que é do outro: lugar, emprego, namorada, idéia arquitetônica, que o diga Léo Simão.

Que esperar de uma cidade que tem como cartão postal imensíssimos blocos de concreto armado. Nem a palavra “concreto” consegue descrever essa concretude. Concretude que se sente no ar, nas ruas, nas árvores. Petrificadas árvores. Queres conhecer uma cidade? Olha suas árvores. Aqui, a bandeira positivista da Ordem e do Progresso nem tremula mais. Aqui, a chama do planalto sai de dutos de ferro enferrujado no alto de um bloco gigante e inútil de cimento. Esquecida. É proibido entrar lá. Mas não há quem vigie. Aqui, uma cidade que custou milhões e milhões e milhões de contos de réis, de cruzados, de cruzados novos, de cruzeiros, de cruzeiros reais, de reais... e ainda nem começou. O sonho armado de vidro e cimento de Dom Bosco que JK comprou e ainda devemos.

Só quem mora ou passa por aqui entende esse nome: legião urbana. Não é só um nome legal pra uma banda bacana dos anos 80. é triste, pesado, melancólico, árido apesar de ser cerrado. Não há, no país, cidade mais urbana e inespontânea que Brasília, desde sua fundação.
Acabei de acordar de um sonho intranqüilo. Aqui, até os sonhos são de pedra. E vim escrever. Mas não quero assumir essa paranóia. Minha avó enlouqueceu depois de ter visitado essa cidade. Comigo não. Essa paranóia não é minha. Eu tô aqui só de passagem.

Árvores de Brasília

Existe, em frente ao Palácio Buriti, naturalmente, um Pé-de-Buriti. O Buriti é uma semelhante ao nosso pé-de-carnaúba. Se você olhar direitinho no meio desse pé-de-buriti há uma espécie de remendo. É que certa vez, em sinal de protesto, um bêbado, dizem, cortou com uma serra elétrica o Pé-de-Buriti bem no meio.

No princípio, as árvores estavam sozinhas, eram sozinhas. Até que foram, todas elas, uma a uma, agrilhoadas pelas garras de tratores e trazidas para cá, como imensas rainhas sem reino. Lágrimas e seiva riscam o caule majestoso dessas árvores. São árvores monstruosas, um ser fantasmagórico, do tamanho de prédios de medo. Senhoras e, como diria Guimarães Rosa, respectivas árvores.

São Paulo, a terceira cidade.

Cidade construída por nordestinos. Largas avenidas andradeanas. Prédios não, são edifícios. Onde a respiração é pouca e as árvores não sobram. São Paulo. É difícil respirar em São Paulo. E até no Ibirapuera a civilização deixa seus traços. Rios e riachos mortos ou morrendo. Do alto, rios de tinta espessa, grossa, cinza. Cidade vertical. Cidade que trabalha. Aqui, tudo é mercado, comércio, business. Cidade de tanto para ver e pouco de sair de casa.

Na Av. Paulista, 13 graus no relógio enquanto um se acomoda em filetes de papelão, um senhor também mendigo se despede de uma mulher jovem com um beijo na testa e um “vá com deus” que comove. Gestos perdidos de delicadeza arfante. A flor no asfalto.

São Paulo, de uma urbanidade estranha, diferente de Brasília. Cidade de possibilidades e, portanto, enfalsa, escorregadia, sorrateira, a espreita de seus passos, sob vigília constante. São Paulo, a cidade que (quase) nunca dorme. No metrô, eu mesmo precisei de um lixeiro, procurei e não o encontrei. Segurei para ver se o havia dentro dos vagões e ainda assim não o achei. Esperei até a próxima estação, cinco ou dez minutos depois, um lixeiro com meu nome “Léo”. Grande. Letras amarelas em fundo preto. Como se me chamasse.

Aqui, tudo chama. Aqui, a chama fria das sombras. Aqui, procura-se o sol pelas calçadas. E nem chegamos na época mais fria. Quarta, dia trinta de maio, aniversário do Carlos Gadelhas, amigo d’ O quarto das cinzas e sua linda bandlider Laya Lopes e seu fiel escudeiro menino-pan Rafael Gadelha, o segundo dos Argonautas. E tudo a sete graus. Tive medo. Quem tem medo de hipotermia?

Nessa cidade, meus guias dormem.

De São Paulo a Salvador

Do alto,
cidades de luzes orgânicas,
nervos estendendo-se iluminados.
A cidade repousa do alto.

A luz se espraia.
Galhos,
raios horizontais.

Acima,
a mãe da noite
se fecha.
Prefere contemplar o que sente.

Veias acesas avançam como um rio
espalham-se
em todas as direções.

Por toda parte,
amontoados incandescentes.

Abaixo,
gente
descansa
em paz(ou não).

Uma noite entre São Félix e Cachoeira na Bahia com Nuno Gonçalves

Nuno Gonçalves, o poeta das redes. Nem ríspido, nem delicado. Um pouco de auto-mitificação, que nesse mundo ninguém é de ferro, e duas carteiras de cigarro por dia. Irrita-se quando perguntado sobre família “Tá bom, né, léo? Qualé? Que merda é essa?” mas sou eu mesmo que sou chato, diria Uirá, que os Santos Reis o guiem. Nuno Gonçalves, um bom poeta. Um poeta do gesto. Mais de gesto que de palavra.

Em casa de Nuno, cadeira é só pra visita. Sentamos no chão ou dormimos na rede. Do livro mais torrencial da MassaNova Literatura: Nuno, poeta de poucas palavras.

Um homem de narrativas, não de filosofia. Um poeta que diria que a filosofia é o planejamento do implanejável. O contrário, diria ele, é poesia.

Nuno prefere dormir no quintal, na varanda sob o vento. Plantas avançam sobre o quintal de Nuno. No fundo do quintal, um mirante para evaporar a Djamba tomado de ervas daninhas e capim santo. Pergunto sobre a história da casa onde ele mora. Me diz que não sabe, não quer saber, que estuda a história para esquecer a sua própria. Eu não entro em detalhes. Um bom amigo, embora cru. Nuno, o poeta que assina como "pajé da tribo". e suas feições não nos dizem algo diferente disso: Nuno, o poeta-índio cujo sonho é conhecer (reconhecer, talvez) a América Latina.

Além do telhado avistam-se os reflexos das luzes da cidade em frente, Cachoeira-BA, onde tudo começou. Ainda sabe pouco sobre a cidade. Eu menos ainda.

Durmo na sala, ouvindo os passos das unhas da cadela Helena e sua filhota, que perambulam dentro de casa enquanto Nuno dorme lá fora.

Uma ponte-férrea liga as margens do rio Paraguaçu. Do outro lado está Cachoeira, de rodoviária simples e vielas de fachadas coloridas. Cidade recuperada de paralelepípedos alisados. Em frente à rodoviária, a ferrovia com abóbada de sabor mourisco. O negro árabe, islamizado, esteve aqui. Abóbadas e janelas quase-islâmicas. As cidades pequenas são onde tudo começa. Lenta e cotidianamente.

Casebres coloridos ao pé do morro de São Félix. Casarões à margem do rio. Antigos e sujos casarões. À paróquia Deus Menino, o alto de dobras ensebadas. Dentro, missa de Corpus Christi, onde os fiéis cantam louvores antropofágicos sem saber. “O corpo que era Dele eu comerei agora. O sangue que era Dele, meu será. A vida que era Dele, eu viverei agora. O sonho que era Dele, meu será”. A antropofagia profana dentro do templo sagrado. Um ritual antropofágico.

O rio Paraguaçu separa Cachoeira e São Félix. “O vapor de Cachoeira não navega mais o mar” canta o ilustre Baiano. Foi ali que tudo começou. Os barcos do recôncavo desciam por ali e à margem direita nasceu Cachoeira. À esquerda, São Félix. Cidade que neblina de manhã cedo. Existem hoje duas árvores à beira do Rio Paraguaçu. Névoa, árvores, o rio, a ponte, do outro lado a cidade colorida de Cachoeira. E o movimento antigo do vapor se advinha pelos botecos que se avizinham à rodoviária. Um balaustrada protege o parapeito do rio. Nada ali tem menos de cem anos me diz Nuno Gonçalves.

Um trem lento e cargueiro cruza a ponte São Félix-Cachoeira rumo a Minas Gerais, é o que diz ele. Enquanto o jogo acontece em meio a torcedores do figueirense e do fluminense. Ninguém sabe do que o trem vai cheio. Cotidiano e invisível. Tanto quanto as cachoeiras lindíssimas que existem ali e que eu não vi.

Cidade de paralelepípedos. Aqui, resquícios do Brasil colonial em que o paralelepípedo era o melhor piso para as carroças e carruagens de seu dono e senhor.

Mucambos de sobra, minguados sobrais.

De Feira de Santana a Salvador

Tive de vender livros na rodoviária. Doente de febre desde a acolhida na casa de Nuno Gonçalves, sem grana pra voltar pra casa de Márcia Belchior, em Lauro de Freitas, por um erro de cálculo, e com fome, vendi um livro por dois reais, o preço do ônibus. Espero ao menos que o senhor que o comprou leia-o.

À salvo em Salvador, a última cidade

Eu desfrutei do sol perto da casa de Márcia Belchior e seu pequeno Miguel. Vilas do Atlântico é um condomínio tão imenso que virou bairro. Espontaneamente. Uma praia semi-deserta, reduto dos surfistas.

Em Salvador, vi o Pelourinho, cidade antiga e colorida. Dos albergues de madeira, imagens esculpidas nas igrejas mais antigas. Ladeiras e mais ladeiras de paralelepípedos até a Ladeira do Carmo, onde reina, íntegro, o Convento do Carmo já tornado hotel.

Em Salvador, vi a cidade baixa e o elevador Lacerda. O Forte de São Marcelo e suas paredes de prisão como a Ilha do Governador. Pequenas embarcações e o sol avermelhado, cremoso, se pondo nas ilhas do horizonte. Da antiga sacada do casarão 64, na Ladeira do Carmo, hoje um bar chiqueiroso onde se serve Miolo a trinta-e-três reais. Os donos estão pintados em quadros do corredor escuro: senhores, brancos e aureolados.

Do alto era lindo, indescritível. Ou não se pode fazê-lo ou ainda não posso tanto.

Da Fundação Casa de Jorge Amado, vi um negão subindo a ladeira colorida com as mãos, sem pernas, grotesco e belo como num filme de Cláudio Assis. Um milhão de produtos miudinhos e sortidos por não menos de cinqüenta reais.

Guias repentinos se achegam e lhe recebem com uma chuva de informações sobre os prédios, sobre as fontes, as praças, quitandeiras, monumentos e depois lhe pedem um trocado. Alguns ameaçam de assalto ou outras atrocidades se você negar.

No Pelourinho não há planos, tudo ou sobe ou desce. Simbolicamente. Márcia Belchior encontra nisso o leitmotiv da retaguarda avantajada das baianas.

As baianas! Ah! As baianas...

São normais como qualquer outra mulher. Não são nem mais negras. São mulatas, são cafuças, são mestiças. As negras são como o pelourinho, folclore.

As cidades não existem mais. O Pelourinho, a Cidade Baixa, a Praia de Iracema, a Baía de Guanabara são restos mortais. Museus a céu aberto. Tudo agora é um imenso não-lugar. Da estranheza de encontrar, no final de uma grande avenida, no centrão da cidade, movimentadíssima, comercializadíssima, urbanizadíssima, sujíssima, a Praia de Itapoá, um paradoxo toquinheiro.

Aprendi que as cidades estão mortas. E que as árvores existem para recomeçá-las.

quinta-feira, 24 de maio de 2007

florescer sim
por onde se passa
florescer
e a certeza
de que pelo caminho
cada amor não correspondido
resulta na morte de uma flor

sábado, 12 de maio de 2007

...toda conclusão é um grão...
...emitem de todos os galhos
cem mil folhas para beber o ar...
toda lágrima
abre nos rostos
caminhos
por onde correm
rios sagrados

sexta-feira, 4 de maio de 2007

um presente de xico vieira

"O poeta convalescente
distribuindo os prospectos
sobre o alarido da enfermaria

apesar da dor, larga-se ao sonho
está desperto
sob os brios do clorofórmio
acesso em sua pesquisa
diária de não vir a sucumbir.

O poeta padecendo
convalesce a nós todos;
não desce já aos Campos Elíseos
ocupado que esteja
sondando o remédio universal.

Gravemente nos convova
para a contenda irremediável
silenciosa abaixo dos holofote:
o poeta não-bélico, mas cândido

cândido sob árvores nuas
vai apascentando cuidados
repartindo luzes
de órfão cidade
guiando lúgubres lustres
à custa do século inumerável.

(chico vieira, dezembro de 2 mil e 3)

quinta-feira, 3 de maio de 2007

"Agora vamos ter os girassóis do fim do ano
quando o calor vem desumano
tudo irá se expandir, crescer com as águas
quiçá, amores nos corações
e um santeiro, milagreiro
prevê a dor de terceiros
e me diz que a vida é feita de ilusão"

(Djavan)
a memória é mesmo a grande cidade dos mortos

quarta-feira, 2 de maio de 2007

para clarice

a memória é para estar dentro. no pensamento, transformando a gente em força ou na palavra, transformando a gente em tempo. a imagem trai a memória. não preciso de fotografias. pra te ver, fecho os olhos e você.

Dizem as más línguas que viemos pra esse mundo por um segundo de felicidade. Um segundo que é sempre o primeiro porque não se repete. Momento além do qual todas as outras formas de estar bem, de ficar bem terão sido no final tentativas vãs de aproximação desse primeiro segundo, desse instante fundador. Mas ele é único. Um momento que tem pra todo mundo, nem que seja por um segundo. E pra poder chegar pra todo mundo, não pode ser muito demorado, não. Só a felicidade possível. Uma gota de prata necessária como prova de que existimos realmente, de que tínhamos vivido; pra que quando a gente chegasse às margens do rio do esquecimento que tem depois que a gente morre, a gente pudesse lembrar uma última vez, ainda. O mínimo possível, o máximo para nós. Dizem que viemos só por esses momentos.

a voz

o sentido é a música da palavra.
o sentido ensina a libertar-se do corpo.
cantar...
... é libertar o sentido.
a terra é o limite

terça-feira, 24 de abril de 2007

...o medo ancestral de se afastar daqui
a ânsia antíqüíssima de partir...
só vale a pena o que pode ser lembrado

sábado, 21 de abril de 2007

destino é o sentido que damos aos caminhos.
o poeta pensa em anagrama.
tudo o que em nós pode modificar tem forma de chama. olhos, mãos, pés e boca.
um pedaço de Fortaleza na boca
um pedra de cimento entre os dentes
farelos de areia dentro das gengivas
e minha língua cortada
lábios em trapo
dentes quebrados
saudades de casa
enquanto mordo novos pratos de porcelana

sábado, 14 de abril de 2007

A vaidade é uma forma de ansiedade
É o medo de ser esquecido
Existem coisas muito diferentes nesse mundo.
Uma coisa é a mulher pela qual a gente se apaixona.
Outra coisa é a mulher com a qual a gente se casa.
Mesmo sendo a mesma pessoa.

As mãos

As mãos suspensas sobre o teclado e ele pensou que escrever sobre alguém que não consegue escrever devia ser uma traição, uma inverossimilhança, como dizem os aristotélicos. Mas as mãos suspensas sobre o teclado lembravam cabelos molhados, cabelos molhados de suor, pingando letras.

As pedras no caminho não impediam de andar. Era fácil! Qualquer imbecil com um pouco mais de disposição seria capaz de galgá-las. Qualquer idiota seria capaz de caminhar sem tropeçar na pedra. Era só prestar um pouquinho mais de atenção! Exceto uma menina que conheci na faculdade que tinha vergonha de puxar a cordinha do sinal quando o ônibus chegava perto da sua parada, e ela sempre passava do ponto. É uma metáfora boba, ridícula, clichê, abusável. Mas o mineiro não era só isso, graças a Deus!

Pensava nisso tudo e as mãos continuavam suspensas sobre o teclado como cabelos molhados; gotejando palavras. As pedras no meio do caminho são como represas. Represado. Silenciado.

As mãos, suspensas sobre o teclado pensavam e pesavam como pedras.

Compreendeu, por fim, que o maior obstáculo para as grandes obras-primas são as mãos, a desobediência das mãos.
A verdade é uma escolha.
A verdade é um destino.
Caminhava
e as árvores me seguiam.
O peso de guiar
é nunca ter sido guiado.

O primeiro a andar
Está sempre sozinho pelo caminho.

Enternecidas,
As árvores me abraçam.
Querem enraizar-se.
E tu, espírito que movimenta esta carne que agora escreve? E tu? Quantos séculos te habitam? Quantos séculos têm tuas experiências que se acumulam e se aglutinam a transformar-se em verdades que ora aprecio, ora repugno? Quanto há de sofrer esta carne, teu veículo de intervenção neste mundo? parece-me que estás sempre dormindo e como pastas de arquivos de computador, tu guardas a experiência, a consciência acumulada em tanta dor. Quando desaparecer o corpo, tu retornará para dormir um sono sem sonhos, mas, como sempre, a dormir. Afinal, morrer é apenas um sono sem sonhos. E que sou eu senão a intersecção de ti e dessa carne que agora tomo emprestada? Assim, percebo que sou teu aprendiz e que sem ti não sou nada. Mas tu, que sempre existiu, e que se pôs a dormir eternamente, esquece-se de impor-se, porque és diferente, indiferente a tudo o que existiu antes de ti: o universo. A senha que és é, assim mesmo, indiferente, tolo, porque sozinho e nu
medo, teu nome é sombra
O melhor aplauso é a compreensão

terça-feira, 10 de abril de 2007

toda palavra é uma porta
O único livre-arbítrio possível
é a honestidade.

quarta-feira, 4 de abril de 2007

voa
e tem
por único princípio
o ar
chorar é rebentar a realidade a gritos
A árvore no meu quintal se deita
Como um braço que descansa.

terça-feira, 3 de abril de 2007

há avanços que se parecem com atrasos
e atrasos que se parecem com avanços
não se pode apagar a palavra dita
não se pode esquecer a palavra lida

segunda-feira, 2 de abril de 2007

todas as canções me parecem velhas
de mim,
canto algum se eleva
a compreensão é um estado de humildade

Entra.
Este é o meu jardim de desertos
sem portas ou janelas, entra.

não te espanta que não haja palmeiras aqui?
...também não cantam mais os sabiás.

Entra e senta
que o mundo é secular e ele pesa.
Olha que o abrigo do poema é o poeta
e vice-versa.

ESPERA... é só o silêncio pedindo licença,
velho mensageiro do invisível.

Agora já podes entrar. Senta.

todas as coisas se revelam no escuro
enquanto acendo um ponto de fuga e puxo
içamos o fogo da terra até os olhos

é lindo o jeito como tu fechas os olhos,
como se fechasse as portas da tua casa

vai até ali,
o espelho é o rosto dos rios,
já disseram.
Prostra-te ali e
diante do espelho
fecha os olhos e vê,
aponta o que está inerte.

CALMA... o movimento é a voz do silêncio
transbordando sobre tudo o que há,
tudo o que deve haver

é quando as luzes do universo se apagam
que as coisas se tornam puras, obscuras, secretas
(são os poemas que ocultam
a vida subterrânea de todos os segredos)

dancemos na escuridão desses caminhos,
dancemos que os espíritos antigos nos afagarão

Não tema!
O barulho das portas rangendo
é só o sentido das palavras se movendo dentro de nós

Exala silêncio teu beijo absurdo
e cego também eu
sinto os suaves gestos do infinito
sobre meu rosto ríspido, urdido de vestígios
(os mais sutis segredos trago guardados aqui)

em falso piso em falso,
passo de quem volta a caminhar depois de anos de hesitação
(o caminho se descobre caminhando,
não é o que dizem?)

Piso em falso sem saber onde morar
faço morada dos abismos que encontro ao caminhar
pouco importa então onde eu moro
eu não moro em lugar nenhum

importa aonde eu vou

Sempre assim,
continuamos. Nada mais.
que tudo acontece sem o nosso consentimento!

(nos aproximemos na dança
que já a canção termina
nenhuma canção pode soar pra sempre)

sozinho, me guio sozinho
sob os pequenos dedos do invisível
(se tudo só parece,
tudo está escondido)

tua pele exalando esquecimento,
enigma do impossível

O universo imenso se reordenando sobre mim
pra te acomodar entre minhas velas mais distantes...

(ainda dançamos a essa altura.
Mais três passos
e paramos.)

Olha...teu enigma sabe o indizível silêncio:
sugerindo!
Arte de reinventar o que existe.

Todos os poemas são profecias
e eu fiz um poema pra ti.
Verdade, fiz um poema pra ti.
Quer ouvir?