quarta-feira, 18 de novembro de 2009

a felicidade
mora na pele
e começa nas mãos

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

poder verdadeiro
é poder abdicar do poder

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.

Ela já lera o bilhete por anos ininteligível dezenas de vezes, entre soluços e lágrimas. Sentava-se na beira da cama, nua, olhando a estrada depois da janela muito depois da silhueta ter desaparecido. O vento entrando e espalhando as folhas dessa história que tentava escrever havia já muito tempo. E agora tentava costurar a colcha incolor das folhas espalhadas pelos arbustos no quintal. Ali, cercada, brincara de ciranda com seu amor por dias, meses, anos, talvez décadas. Há quem jure que há milhares e milhares de anos, entre arquiteturas que se diferenciavam de tempos em tempos. O choro convulso cegava pra muito além de si. Mal enxergava as próprias mãos segurando o bilhete com letras azuis, tremidas. Previsões, escolhas, limites eram o leque de objetividades a que teria de se acostumar. E o medo a lhe exibir dentes amarelados.

Não adianta... ela não sabia escrever histórias, por mais que tentasse. Não sabia sequer contar a sua sem esses mergulhos, sem divagações, a narrativa não evoluía. É a literatura pós-moderna, é a literatura pós-moderna! Ignoro. Mas é o que dizem, que os fatos importam menos que as reflexões que suscitam. E a narrativa se perdia na subjetivaidade de quem escrevia.

Tirara o óculos que lhe cicatrizava a cara, marca de sua civilidade iluminista, de sua racionalidade positivista e voltava à humanidade perdida da entrega, à lágrima que precedia qualquer filosofia. Agora, poesia sequer saía-lhe dos dedos. Os dias foram devorando um a um os seus mais queridos poemas ainda não escritos. As traças cuidaram do resto.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Um amigo me disse que o massa da revista Playboy são as reportagens e as entrevistas com intelectuais e artistas que ela tem.

Eu disse que o massa da Playboy é na verdade que ela assume abertamente o fetiche sexual do intelectual brasileiro.

a última noite

a pele é uma atrocidade
a pele é a mais atroz das belezas humanas

uma rosa vermelha passeando pela pele dessa mulher em que você se transformou
é minha poesia
um rosa vermelha passeando pelos lábios dessa mulher em que você se transformou
é minha poesia

(a beleza desconcertante da pele)
beber vinho na pequena taça do teu umbigo
a leveza líquida da pele
dormir em ti
dentro
e ter você dentro da minha boca
sentindo, forte, linda

eu escrevendo com minha língua
poemas de amor sobre a tua pele repleta de cheiros
sobre a tua pele encharcada de desejos

quero saber teu sabor
quero ver a tua pele, ma petit cherry
ver toda a tua pele, ma petit mort
quero sentir o abraço de tuas pernas
me arranhando com a boca
me mordendo com as unhas
afogada entre minhas vértebras
à deriva sobre minha pele

deslizam sobre a pele
dedos e lençóis
hipnose da epiderme

quero você dentro da minha boca
minha língua passeando
pelo umbigo que anuncia entradas secretas
das mãos que começam o paraíso
que afastam os véus do ocultamento

quero você apertada contra mim
debaixo de mim
sobre mim
de costas pra mim
até me derramar em ti
o cheiro da tua pele agridoce
úmida
e quente
ofegante de mim

há partes secretas no corpo
sob os pêlos
debaixo dos dedos
molhada como lençóis freáticos

nua
só a tua pele alva
branca
substituta das luas
satélite dos meus desejos
te dou um banho de mim
até que eu possa encher a pequena taça do teu umbigo
vc quer me beber?

revela pra mim tuas obscuridades
deixa que eu te contemple como a mais sagrada e profana natureza
deixe que meu olho se delicie com a luz da tua pele branca
deixa que minha memória se alimente de ti
deixa que minha alma se recorde de ti
de ti e de mim
inteiro deitado sobre a tua pele
sobre o mar luminoso de teus poros de leite

tua pele macia e quente
me pedindo
me implorando
pra ser penetrada
pra ser tocada
contemplada
ilumina de vez tua gruta escondida e úmida
eu quero senti-la nos olhos
deixa eu sentir no sabor da tua sombra a força que há nos desejos
eu te invado os sonhos dessa noite
te invadirei como um rio de orgasmo que te encherá o corpo e a alma
com a pureza de um desejo cravado como espinho na minha alma de carne
de que sua alma é feita?

sob teus braços
sob teus abraços
mergulhado na tua carne
eu me afogo nos poros que se abrem
e te me entregam
com a força dos desejos inteiros
com a força dos desejos antigos

eu, com minha língua de poesia,
te penetro inteirinha
em todos os sentidos
com todos os sentidos
condensados
a dizer que eu vim só dar
despedida...
O frio
é a exaustão do vento.
O calor,
sua euforia.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

A pele é a verdade,
a única verdade possível.
A pele,
é a mais bela paisagem.
"jamais se esquece a pessoa com quem se dormiu"
(Clarice Lispector, A hora da estrela)

terça-feira, 28 de julho de 2009

só sentindo
as coisas fazem sentido
a resposta é uma condensação de perguntas.
Para haver uma única resposta, é preciso que haja inúmeras perguntas.
paciência é proteção
a beleza é uma forma da tristeza

terça-feira, 14 de julho de 2009

Deus existe mesmo quando não há.
Mas o demônio não precisa de existir para haver.
A gente, sabendo que ele não existe,
aí é que ele toma conta de tudo.

Grande Sertão: Veredas, Guimarães Rosa

quinta-feira, 9 de julho de 2009

que a sombra dos meus erros
possa apontar a luz dos acertos

sábado, 4 de julho de 2009

escrevo textos como quem orquestra sinfonias
um poema
é uma ruína

quinta-feira, 2 de julho de 2009

molusco

sei o que estou fazendo aqui
e não sei o que estou fazendo aqui

saber é o meu não saber
saber ilumina o que eu não sei
e o que eu não sei
(que sei ser o mais importante)
ofuscado, se esconde.

Sei, além, muito além de uma simples oposição lógica,
que o que eu não sei não é o que eu sei,
mas não sei disso, sinto isso
e só sinto o que eu não sei

o que eu não sei lateja
sinto existir o que eu não sei
lamento existir o que eu sei

Quando o que eu sei se aproxima do que eu não sei
uma gota que arde em molusco se abre...

e eu me fecho

quarta-feira, 1 de julho de 2009

...aí a gente vai ver
com quantas rosas se faz um buquê...

sábado, 27 de junho de 2009

eu insisto

Escrevi um artigo que, me disseram, não poderia ter sido escrito por mim.
Entendi que eu passarei a vida a escrever artigos que não poderiam ter sido escritos por mim.
Não só artigos.
Mais que isso.

Passarei a vida a escrever poemas que nunca poderiam ter sido escritos por mim.
Não só poemas.
Passarei a vida a dizer coisas que nunca poderiam ter sido ditas por mim.
Mais ainda.

Passarei a vida a fazer coisas que jamais poderiam ter sido feitas por mim.

Depois,
existirei como nunca poderia ter existido.

Ao impossível,
serei qualquer coisa que nunca poderia ser considerado eu mesmo.

Depois de depois do impossível,
viverei o que nunca poderia ter sido vivido por mim;
amarei o que nunca poderia ter sido amado por mim;
sentirei o que nunca poderia ter feito sentido pra mim.

eu...
...inexisto,
desexisto
e re-existo.
Eu insisto.

das duas uma

ou a literatura se volta para a vida
ou a vida abandona a literatura

terça-feira, 23 de junho de 2009

a beleza ainda vai me enlouquecer
vocês vão ver

domingo, 21 de junho de 2009

O Jardim das Horas



A canção passava. Procurando, a canção passava deixando um rastro de flores. Um pequeno filete, como um traço, um risco, um riacho, fronteira entre o que fora e o que será. O ar cheio de cheiros. Respire. Inspire-se. Sinta o cortejo das águas semeadas. Ouça o cortejo cantando no jardim das águas. Por onde a canção caminha está a felicidade. Aos nossos pés, flores terão nascido se tivermos a calma de observar, a leveza de não pisar.

A canção passava fecundando, semeando. E por onde tem passado, tem deixado um rastro onde a beleza não é de ver ou tocar. Nele consta apenas uma atmosfera fina, tão pura, tão ingênua que quase podemos pensar no caminho de volta. A canção é forte, radiante. A canção é um encantamento. Caminha e não há como não seguir. Tenho os pés levantados do solo enquanto a multidão alegre e colorida a tons claros sorri, me eleva e me carrega como amigos que nos carregam em festa. E por onde passa, armas se rendem a uma paisagem de fazer sorrir um menino do dedo verde, cujo dedo fazia florescer pedras.

O caminho movediço e tortuoso cedeu de vez, e não precisamos mais de andaimes. Descemos, alcançamos o chão ― o desafio é alcançar o chão, a superfície, primeira fronteira ― e continuamos a canção. Ali estão os guardas, sem utilidade porque aprendemos a confiar; armas pesadas que se transformam em velocípedes para crianças órfãs, como previu o poeta.

Nada nos pode atingir. A era do medo passou, passou hoje, enquanto a canção passava. Retirou dos soldados comandos na ponta das baionetas, bacamartes. Soldados que choraram no sonho e acordaram chorando. Atiravam como cães ferozes e medrosos. Chegamos perto, bem perto, nunca é perto demais. Acalmamo-los, abraçamo-los e cãezinhos agora mansinhos, outrora raivosos, perceberam que nosso cheiro é bom, que não cheiramos a medo. Todas as canções do mundo compõem essa imensa canção. Todos os aedos, cantores, poetas, violeiros, emboladores; todos os cancioneiros, musicistas, instrumentistas, coralistas; todos os sons, canções, tons, semitons, dissonantes ou não compõem essa canção interminável. Todas as canções podem soar, ressonar pra sempre, sempre, sempre, sempre... noutra canção. Nessa canção.

Tão puro o ar, a atmosfera que a canção vem arejando de si que amortece todas as quedas, acalma as mais terríveis querelas, acalenta as mais difíceis pelejas. O ódio não é o contrário do amor, mas ausência dele. E nada pode vencer a força do beijo, do abraço dessa canção.

O cortejo vai cantando, parece uma romaria que segue a orar. Não há canção verdadeira que não seja oração. Abrandam-se guerras, soldados se abraçam e se cumprimentam em língua estrangeira, e como tudo é festa, até as balas são de festim.

Hoje, enquanto o dia renascia, nos demos conta de que somos parte da canção, como dissonâncias de um mesmo acorde estranho. Foi quando enxergamos, enfim, o caminho florido que é o caminho de todos em União, o caminho verdadeiro, abraçados pela força da harmonia ouvida uma única vez, desde o Princípio, há milhares e milhares de anos.

Aqueles que ali valsam, que ali vão são os primeiros. Nós... não seremos os últimos.

http://www.myspace.com/ojardimdashoras

domingo, 24 de maio de 2009

A beleza
é terrível.
É terrível o poder
que a beleza tem sobre mim.
Digo que é melhor fechar os olhos,
e me apaixono por uma voz.
Digo que é melhor não dar atenção,
e me apaixono pelo que me toca
a pele.
A pele é a mais atroz das belezas humanas.

domingo, 10 de maio de 2009

não sei se esse poema é meu, mas parece e está no meu computador...

Sou parte da lembrança das pessoas, nunca fui de fato.
A criança em mim adormecida se esmera no colo do tempo - que se liquefaz na fria fuselagem das horas.

O tempo, esse fantasma cego que nos persegue e assombra - implacável e alheio a nossa vontade - extermina a pureza dos corpos, que se põem a exalar olor de desejo.
Oh! o Desejo!
O que seria de nós sem este deus nada melindroso?
Poderíamos envelhecer desapropriados da culpa de termos que ser essa alegoria perversa e cruel.

O avesso das coisas.
(eternos escravos destes olhos cegos que nada vêem)

O poeta que em mim habita é apenas a triste alegoria de palhaço fantasiado de homem - esta arquitetura por terminar.

Edifico-me na incerteza do mundo
No mistério que as coisas têm.

Tenho andado por todos os cantos
Contemplando a lei natural dos encontros.
Sou este refém do inexplicável – que me amadurece e conforta.
Por isso tenho a coragem de jogar-me no mundo

A coragem de quem anda sempre com mais de uma verdade no bolso.

terça-feira, 24 de março de 2009

trago o peito dilacerado por essa coisa que não tem nome, nunca terá
é físico e eu nunca pensei
saudade, medo e falta compõem essa força que tento transformar em alimento
estou longe, muito longe de casa, cada vez mais longe e distância se sente é na pele
o poeta disse quem sente saudade jamais está sozinho
é mentira como é a poesia. A literatura não adianta, não adianta, não adianta...
a velha amiga voltou pra me encher os olhos e o peito
e veio com fome de mim. comeu meus poemas, meus papéis, meu Cabral de Melo Neto, comeu até meus pequenos silêncios
os poemas que faltam, as canções que não tocam, não me tocam, os filmes que não consigo ver
são a prova de que esses lobos deixaram as estepes e vieram
para o meu coração
Aaaaahhhhh esse grito! Esse grito é um uivo, meus irmãos, e um uivo
e esse uivo é o prenúncio de uma ponte lenta que vem se construindo, se construindo, se construindo... sim
len-ta-men-te
(e a literatura não adianta, não adianta, não adianta...)
pra trazê-los de volta
porque trazê-los de volta
é o mesmo que voltar por aquela porta