sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Estou nu.
E assim eu poderia simplesmente inexistir
como o fizeram Neto transformado em zero,
Bandeira, que não deixara sequer nomes.
Outros...

Estou nu.
Nem como vim ao mundo
mais nu ainda.
Não a nudez da verdade de um morto insepulto.
Nu, ainda mais...

Nenhuma roupa-de-baixo pra aparecer por cima.
Nenhum pêlo crescido que possa esconder a minha cara cínica.
Crua e Nua como a natureza sem cascos,
sem crosta, sem grossa camada, sem escamas.

Sou tudo aquilo que vejo e só vejo parte daquilo que sou
― em trocadilhos baratos, ainda que esteja nu.
Frente ao espelho, nu.

Nem dentro,
nem dentro estou vestido.
Nem minha alma está vestida.
Minto! A minha alma se veste daqueles vidros de aeroporto
em que se podem ver os ossos do corpo
nu,
sem roupa, sem óculos, sem meias
nu de nervos, nu de amores
nu de tremores, nu de estertores, nu de rumores...

A única prova de minha existência ferrenha
é a dor que eu provoco, a dor que eu sinto,
(Dôo, portanto existo)
A dor que eu minto.
Minha nudez, atentado violento.

Nu,
a dor sem esparadrapos, sem mercúrio-cromo, sem álcool, sem éter,
a dor etérea da lâmina aguda das horas, dos segundos, das rochas...
...nuas, completamente nuas.

De uma nudez sem braços, sem traços, disforme.
Não este não sou eu no espelho!
É outro! Só pode!

Sem pele, sem raça, sem chão, sem religião
sem história nem estórias pra contar
como um griot funéreo das semanas insepultas da África...

Sem pai, sem mãe, sem irmãos
(e todos vivos ali, logo ali, na sala)
Quase sem pão
― que o trabalho me alimenta e me veste
de rendas e bordados de vaidade e de vontades,
a vontade absurda de estar nu.

Nu,
como aquilo que pulsa ao querer começar,
como aquilo que vê mas não sabe enxergar
a folha branca, página que descansa.
Nudez muda que se entrega.
Mudez surda, cega.

Nu,
deserto entre as estrelas relfetidas na lama.
Nu,
veredas, onde só o vento, só o vento...

Nu até de palavras pra dizer que estou nu.
Da mais completa nudez em que se possa estar nu,
textura daquilo que dorme
textura daquilo que morre
despido de sonhos,
despido de pernas, despido de planos
como quem nasce

Ah! A simplicidade das nuvens dos desenhos infantis!

Aqui,
a terra sonambúlica do nada.
Hoje,
Era metamórfica de kafkas
(e sorrisos
postiços
aos domingos)

Musa trôpega.
Escuridão anímica dos rios, estradas d’outrora.

Caímos no abismo! Só pode!
Tinham razão os antigos:
a terra era realmente quadrada.
Traíram-me todos os livros
Tornaram-se putas todas as fadas.

léo m.
agosto de 2 mil e 8