sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.

Ela já lera o bilhete por anos ininteligível dezenas de vezes, entre soluços e lágrimas. Sentava-se na beira da cama, nua, olhando a estrada depois da janela muito depois da silhueta ter desaparecido. O vento entrando e espalhando as folhas dessa história que tentava escrever havia já muito tempo. E agora tentava costurar a colcha incolor das folhas espalhadas pelos arbustos no quintal. Ali, cercada, brincara de ciranda com seu amor por dias, meses, anos, talvez décadas. Há quem jure que há milhares e milhares de anos, entre arquiteturas que se diferenciavam de tempos em tempos. O choro convulso cegava pra muito além de si. Mal enxergava as próprias mãos segurando o bilhete com letras azuis, tremidas. Previsões, escolhas, limites eram o leque de objetividades a que teria de se acostumar. E o medo a lhe exibir dentes amarelados.

Não adianta... ela não sabia escrever histórias, por mais que tentasse. Não sabia sequer contar a sua sem esses mergulhos, sem divagações, a narrativa não evoluía. É a literatura pós-moderna, é a literatura pós-moderna! Ignoro. Mas é o que dizem, que os fatos importam menos que as reflexões que suscitam. E a narrativa se perdia na subjetivaidade de quem escrevia.

Tirara o óculos que lhe cicatrizava a cara, marca de sua civilidade iluminista, de sua racionalidade positivista e voltava à humanidade perdida da entrega, à lágrima que precedia qualquer filosofia. Agora, poesia sequer saía-lhe dos dedos. Os dias foram devorando um a um os seus mais queridos poemas ainda não escritos. As traças cuidaram do resto.