segunda-feira, 11 de junho de 2007

Primeiras impressões sobre Brasília.

Cheguei com alguma coisa que não conseguia explicar. Um medo, uma ânsia, um pânico, sei lá. Se Uirá acha que Fortaleza é uma cidade facistinha, precisa conhecer essa cidade.

A vastidão só dilui a alma e aqui é o reino do vasto. Imensas áreas de tudo. Aqui, tudo é imenso: o verde, os parques, os clubes, os prédios, ainda que baixos, imponentes, quadradões, gigantescos blocos de vidro e concerto. Agora, só agora, mais de dez anos depois de ter escrito é que eu vejo que são reais os “gigantes de vidro e concreto compõem esse lugar”. Aqui, tudo é realíssimamente real. Realissíssimo. Uma terra de superlativos: Ilustríssimo, Excelentíssimo... e até as árvores parecem falsas. O avesso de uma árvore: árvores de galhos rápidos como relâmpagos. Respiram sim, mas posso sentir sua saudade, posso experimentar sua tensão. Elas foram plantadas aqui. Trazidas de outros lugares aos gritos de “fiquem aqui! Eu sou o paisagista! Fiquem aqui! Cumpram o seu papel. Respirem! Vamos Respirem!”... uma cidade militaresca, militarizada. Aqui, até as árvores são escravas.

Léo Simão, um arquiteto que acabei de conhecer disse-me que venderam o sonho “Cidade Planejada”. Mas aqui não há sonho. Vi hoje, no Beirute, bar tradicionalíssimo “40 anos” ta lá, estampando na parede. O dono é um ex-garçon. A cidade tem quase isso. Pouco mais. Mas eu vi isso sim no Beirute. Pintores, desenhistas, músicos, poetas, artesãos, atores não dentro do bar, à margem dele. Ora erguendo telas a fim de mostrá-las. Ora recitando poemas ao ar livre a fim de vender um panfleto ao menos, um cartão da “Terapia do riso” (Até aqui!). Ora deixando desenhos em cada mesa para recolher depois. Encartes que não serão abertos. Sorte do Luigi, o cartunista, se não molharem com a bohemia de r$ 4,20. Um cara chamado “para os amigos Pepe. Para os conhecidos, Lopes”, um senhor espanhol com ares de trêbado fez minha caricatura e eu nunca percebi que tinha um queixo tão grande.

Funcionalismo público, estudantes londrinos de pirulito na mão, bebendo às pampas e os artistas rondando as mesas, mendigando atenção, disputando atenção com kibes, cervejas, vinhos baratos e veleidades. E ainda tendo que lidar com o olhar desdenhoso das dondocas filhas de donos dos BigBoxes de Brasília. Carlos Emílio, Fortaleza é o paraíso, nego véi.

Brasília, como diria Victor Ramil, “cidade rigidamente planejada e construída”. Aqui, tudo é imenso e opressor. Os prédios são suspensos. As pessoas são suspensas. Se eu dizia que em Fortaleza as pessoas moravam em gavetas, precisava conhecer essa cidade. Não há nada mais concreto que Brasília. Nada mais real do que pessoas morando em cubos de vidro e concreto.

Eu sou pequeno aqui. Pequenininho. Pequeniníssimo. E sem o meu amor por perto eu sou menor ainda.

Brasília, uma cidade de muitas voltas. Circulada por portões invisíveis. É impossível. Brasília é uma cidade de segurança máxima. Tire “segurança” porque aqui bandido é seguro. Fica o “máxima”, opressor, imponente. O velho Niemeyer imaginou uma monstruosa área de convivência, com clubes de vizinhança, inclusive. E deixou todos os prédios abertos embaixo, com livre passagem. Mas o medo dos prédios criou nos brasilienses paredes invisíveis, supra-sensíveis, dentro de cada um como num filme de Lars Von Trier.

O que esperar de uma cidade que cresceu daqueles que queriam, mais do que reconstruir uma vida nova, construir a sua vida nova? Cada um, cada um. O sonho não compartilhado de Niemeyer. Os escravos que se tornaram nobres. E Lula morando no Palácio da Alvorada é o maior ícone disso. Lula na Alvorada, putz, a estratégia de remediar a convulsão social: um ex-pobre no poder, um operário que hoje submete legitimando a submissão; um alfabetizado tardiamente no poder. E a ala burra da burguesia ainda quer tirá-lo de lá a fina força. Deixem ele lá! Deixem-no! Orgulho ferido da dondoquice brasileira e burra!

Que esperar de uma cidade que se divide cartesianamente em norte, sul, leste e oeste? Síndrome da paranóia urbana. Aqui, seu terreno não é apenas imenso, é fértil. Uma cidade planejada para se ter o controle. Vigiar e punir? Ninguém nem se vê, nessa cidade, quanto mais vigiar alguém. Vigiar exige tempo, e numa cidade de funcionários públicos, com seus carrinhos e suas carreiras estabelecidas, concursados, podendo chegar tarde e sair cedo do trabalho, quem vai se preocupar em vigiar o outro? Aqui?!!! Só se lhe convir. Aí sim, se vigia. Se vigia e se pune não porque é questão de justiça. Mas para tomar o que é do outro: lugar, emprego, namorada, idéia arquitetônica, que o diga Léo Simão.

Que esperar de uma cidade que tem como cartão postal imensíssimos blocos de concreto armado. Nem a palavra “concreto” consegue descrever essa concretude. Concretude que se sente no ar, nas ruas, nas árvores. Petrificadas árvores. Queres conhecer uma cidade? Olha suas árvores. Aqui, a bandeira positivista da Ordem e do Progresso nem tremula mais. Aqui, a chama do planalto sai de dutos de ferro enferrujado no alto de um bloco gigante e inútil de cimento. Esquecida. É proibido entrar lá. Mas não há quem vigie. Aqui, uma cidade que custou milhões e milhões e milhões de contos de réis, de cruzados, de cruzados novos, de cruzeiros, de cruzeiros reais, de reais... e ainda nem começou. O sonho armado de vidro e cimento de Dom Bosco que JK comprou e ainda devemos.

Só quem mora ou passa por aqui entende esse nome: legião urbana. Não é só um nome legal pra uma banda bacana dos anos 80. é triste, pesado, melancólico, árido apesar de ser cerrado. Não há, no país, cidade mais urbana e inespontânea que Brasília, desde sua fundação.
Acabei de acordar de um sonho intranqüilo. Aqui, até os sonhos são de pedra. E vim escrever. Mas não quero assumir essa paranóia. Minha avó enlouqueceu depois de ter visitado essa cidade. Comigo não. Essa paranóia não é minha. Eu tô aqui só de passagem.

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